quinta-feira, 14 de abril de 2011

Porque é que o desejo sexual feminino é sadomasoquista?

O sadomasoquismo abrange todas as práticas sexuais que implicam a erotização da relação domínio/submissão e é um modelo sexual constantemente reforçado nos romances, filmes, novelas e, como não podia deixar de ser, na pornografia; nestas diferentes manifestações culturais, o sex appeal dos homens reside na sua aparente rudeza e mesmo brutalidade, apresentadas como características viris, a feminilidade das mulheres reside na submissividade.
Muitas mulheres e mesmo muitos homens, que defendem a igualdade entre os sexos, percebem o sadomasoquismo como politicamente incorrecto, como a «expressão inevitável de uma cultura de ódio às mulheres.» De fato como é que, por exemplo, uma mulher que reivindica a igualdade entre os sexos pode aceitar que tem prazer em ser dominada sexualmente por um homem? Como é que pode reconhecer que tira prazer daquilo que quer abolir enquanto ativista política? Se as fantasias sexuais envolvem humilhação, degradação, violação e «bondage»; não surpreende que as mulheres tenham vergonha das suas fantasias sexuais, porque estas rebaixam a sua auto-imagem, mostram-nas como pessoas de menor valor, levam-nas a viver a sexualidade como uma realidade humilhante.
O fato da sexualidade hetero ser sadomasoquista tem inequívocas vantagens para a ordem patriarcal, pois reforça o domínio masculino e a submissão feminina Para a ordem patriarcal, a sexualidade sadomasoquista permite enraizar a dominância masculina e a subordinação feminina no instinto sexual e nos desejos sexuais mais profundos: afinal se as mulheres gostam de ser sexualmente dominadas, então é correto que elas também sejam socialmente dominadas. A prática sadomasoquista só é criticada quando envolve exageros, porque então «os sadomasoquistas revelam, embora de uma forma exagerada, a natureza intrínseca da heterossexualidade e só são estigmatizados porque rasgam o véu atrás do qual a respeitabilidade patriarcal gosta de se esconder. (p.56)
Ao aceitarem e interiorizarem este modelo de sexualidade, as mulheres tornam-se coniventes com a dominação e patuam com as estruturas opressivas que a suportam. Atribuir o estatuto de instinto e de inato a esses desejos sexuais equivale a naturalizar os comportamentos de domínio nos homens e de submissão nas mulheres. Por isso Sandra Lee Bartky diz com toda a propriedade que «a estrutura do desejo heterossexual amarra a mulher ao seu opressor». (p.48)
Portanto temos que as relações heterossexuais comportam uma natureza sadomasoquista e temos que a grande maioria das mulheres é heterossexual estando, assim, sexualmente condicionadas para serem submissas e para terem desejos sexuais alimentados por fantasias masoquistas. Se uma mulher heterossexual for concomitantemente uma feminista empenhada em garantir um estatuto de igualdade para o seu sexo, vai sentir-se muito pouco à vontade com a sua própria sexualidade.
O padrão do desejo heterossexual é interiorizado pelas jovens através de um lento e longo processo de impregnação cultural. Quando adolescentes e adultas, vão experienciar uma sexualidade que incorpora esse desejo que foi social e culturalmente construído. Poderão revoltar-se, poderão fazer alguma coisa para mudar o desejo, reprogramar-se e mudar as suas próprias fantasias sexuais ou estas impõem-se inelutavelmente?
Algumas feministas voluntaristas consideram que assim como a sexualidade é socialmente programada também pode ser individualmente reprogramada; se a mulher tiver uma vontade firme e estiver determinada, conseguirá alterar o padrão dos seus desejos, procedendo a uma autêntica descolonização da sua sexualidade. Mas há de imediato uma suspeição quanto à eficácia deste processo: como é que uma mulher sozinha e isolada é capaz de desfazer o que a cultura e a sociedade levaram anos a construir, como é que alguém que interiorizou por processos de impregnação cultural, de que nem sequer teve consciência, um padrão de desejo sexual sadomasoquista é capaz de alterar esse padrão? Não quero dizer que não haja alguns casos de sucesso, mas, para a enorme maioria das pessoas, isto pode não resultar e censurá-las por não terem força de vontade para o fazer é mais uma vez culpabilizar a vítima, partir do princípio de que a vítima é responsável pela sua vitimização. Sandra Lee Bartky critica abertamente a postura das feministas voluntaristas:

«Na minha opinião, a prevalência em alguns círculos feministas daquilo a que chamo ‘voluntarismo sexual’ com as suas fórmulas simplistas, moralismo, intolerância e recusa em reconhecer a dimensão obsessiva do desejo sexual, é ele próprio um obstáculo à emergência de uma prática adequada.» (p.57)

Eu reconheço a justeza destas observações, mas não posso deixar de lembrar que não se vislumbra nenhuma «prática adequada» que nos permita lidar com o problema: lidar com desejos sexuais que experimentamos como humilhantes e degradantes e dos quais consequentemente sentimos vergonha perante nós próprias. Neste contexto, só se nos apresentam duas alternativas, aceitar esses desejos, tentando o auto-convencimento de que afinal eles não são humilhantes, ou tentar mudá-los. Pessoalmente prefiro optar decididamente pela segunda alternativa por mais difícil que ela possa ser. Em primeiro lugar, como estratégia, defendo o acordar das consciências para este problema, procurando explicar porque é que o desejo sexual feminino assume a forma padrão que assume. Em seguida, cada mulher que conseguiu sair da ‘caverna’, isto é, da ignorância, para utilizarmos a metáfora platónica, e compreendeu os seus desejos, pode, verdadeiramente, optar por mantê-los ou por modificá-los. Neste segundo caso, com o auxílio da imaginação pode tentar construir uma sexualidade autónoma, não colonizada, da qual não se envergonhe.

Citações de Sandra Lee Bartky: Femininity and Domination.
.

12 comentários:

  1. Oi Rita!
    Adorei seu recadinho.. mas na verdade não ligo a mínima pra esse preconceito bobo, não... Tenho 36 anos, me casei há 4 meses, mas vivi maravilhosamente bem solteira até então.
    E ainda acho que casamento não é a solução pra nada.. Ser solteiro é tudo de bom, assim como ser casado também pode ser.. é apenas uma escolha de cada um..
    Mas achei muita graça no vídeo, afinal.. é um gato que faz e desfaz tudo.. rsrs

    ResponderEliminar
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  3. By-the-way.. Adorei o post! Dá muito pano pra manga.. rsrs
    Colocado desta forma, as mulheres realmente ficam em posição "inferior", aceitando e concordando com a postura patriarcal e machista imposta pelos homens, e pela sociedade em que vivemos. Por outro lado, assumir seus desejos, ainda que em práticas sadomasoquistas, é também uma atitude positiva e madura, afinal, como vamos julgar a forma como cada um sente prazer? Ainda que esse prazer possa ser condicionado por essa mesma sociedade patriarcal e machista.

    Pior que ter prazer e assumir que sente prazer em práticas sadomasoquistas, é não se permitir ter prazer em nada, por medo, constrangimento, preconceito, vergonha...

    ResponderEliminar
  4. Oi, Pathy,
    Obrigada pelo seu comentário.
    Como eu procuro explicar, o problema é muito complicado; cada uma, depois de tomar consciencia dele, fica então com liberdade de opção, embora seja muito dificil mudar a estrutura do desejo tal como este foi interiorizado pelas mulheres, mas para algumas, na quais me incluo, vale a pena tentar. Não estou aqui a julgar ninguém, estou sim a tentar compreender e a procurar ajudar outras pessoas a compreenderem também.
    E pelo menos fico feliz por perceber coisas que até hà bem pouco tempo para mim eram misteriosas.

    ResponderEliminar
  5. Olá Rita, parabéns pelo blog!

    Gostei do jeito contundente e direto com o qual você expõe suas opiniões. É alentador ver um mulher que sabe lidar com seus desejos, anseios e eventuais medos sem recorrer às velhas travas sociais.

    Pretendo acompanhar sempre seu blog!

    Ab, Chuck

    ResponderEliminar
  6. Olá Chuck
    Obrigada pelo comentário. Também já espreitei o seu blog.
    Como diz o filósofo, uma vida não examinada não merece ser vivida. Lamentavelmente poucas pessoas prestaram atenção!
    Abraço, Rita

    ResponderEliminar
  7. Rita,
    PARABÉNS pelo Blog.
    Também acredito que a mulher sofre nesta sociedade patriarcal e que muitas vivem suas vidinhas mediocres, encaixotadas em serem "politicamente corretas".
    Mas, cada um com seu cada um.
    Ótimo conteúdo.

    ResponderEliminar
  8. Olá Rita,

    Grato pela espreitada no meu blog, fique à vontade para deixar lá quaisquer comentários que julgar pertinentes.

    Sobre o filósofo...Sócrates, certo?

    Ab, Chuck.

    ResponderEliminar
  9. Para Ame-me sempre
    Obrigada pelo comentário e sobretudo pelo elogio que ajuda a massajar o ego.
    Mas se você pensar bem não há essa coisa do «cada um com seu cada um», é um bluff para mascarar a formatação.

    ResponderEliminar
  10. Olá Chuck
    Estou a ver se percebo um pouco da sua complexa relação com as suas musas questionáveis que parece verdadeiramente ambivalente.
    Quanto à frase, só podia ser do lendário Sócrates.

    ResponderEliminar
  11. Vou ter um encontro com uma mulher que pratica sado ela acho eu que dominadora,eu vou aceitar,sera bom para ela,como,me comporto?

    ResponderEliminar
  12. Lendo todos os comentários, digo o seguinte.
    A maioria das pessoas que comentam esse assunto nunca saíram com essas garotas.
    Portanto acho que eles não têm que opinar de nada.
    Resumindo; eles não sabem de nada, usam apenas o gogó para falar besteiras.

    Obs.: No mínimo, eles precisam escrever o Português correto.


    Um grande abraço para vocês!!!

    ResponderEliminar