Os temas ligados à sexualidade mereceram escassa atenção por parte dos filósofos e o pouco que escreveram não foi, de uma maneira geral, esclarecedor. Apresentaram perspetivas sobre a sexualidade e sobre o desejo sexual condicionadas pelas suas concepções éticas, no pressuposto de que essas perspetivas eram universais, e assim não deram grande contributo para a compreensão de um problema que ocupa um lugar tão importante na vida das pessoas. Os sexólogos também não foram, nem são, imunes aos preconceitos da época em que escrevem e ficamos com muitas e justificadas dúvidas quanto às ponderações que nos fornecem; e os cientistas, embora nos possam dar informações importantes, também não são mais bem sucedidos porque a sua atenção se centra em problemas de natureza fisiológica, decididamente algo pouco relevante quando queremos perceber a sexualidade humana.
Assim, quando falamos em sexualidade, apesar de todos os avanços, continuamos num domínio em que a especulação predomina, em que as reflexões não têm nítido suporte a partir de evidências empíricas. Isto para dizer que o que vou a seguir apresentar são apenas as minha reflexões: posso estar enganada e posso bem vir a modificar ulteriormente as minhas atuais posições.
Quanto à natureza do desejo sexual, rejeito o ponto de vista defendido por Sartre segundo o qual no seu cerne não se encontra o desejo por prazer, penso que o desejo de prazer é fundamental para se perceber a estrutura do desejo sexual; o problema consiste em saber o que queremos quando temos desejo sexual e porque é que o que queremos nos pode dar prazer, obviamente em condições adequadas de estimulação corpórea.
Para princípio de reflexão parece-me que procurar esclarecer a natureza do desejo sexual sem o ligar à procriação é omitir um elemento interessante e provavelmente fulcral para a compreensão deste fenómeno. Podemos perceber facilmente as motivações daqueles que assim procedem: ao fim ao cabo reagem contra a tentativa moralista e religiosa de reduzir o sexo a objetivos procriativos. Mas ao fazerem isso, como se diz em linguagem metafórica, deitam fora o bébé com a água do banho.
Para evitar equívocos, temos de esclarecer muito bem, a ligação que existe entre desejo sexual e instinto procriativo. Assim como quando comemos ou bebemos satisfazemos um instinto que garante a nossa sobrevivência como indivíduos, também quanto nos entregamos a atividades sexuais satisfazemos um instinto que garante a nossa sobrevivência enquanto espécie. Num caso e no outro podemos continuar a comer e a beber mesmo quando a fome e a sede estão saciadas, ou podemos fazer sexo quando a procriação não se encontra no seu horizonte. Seria interessante proceder a uma inquirição sobre fantasias sexuais de homens e de mulheres para vermos se estas confirmam ou não esta hipótese que liga sexo a procriação; a minha previsão é a de que confirmariam, mas claro que continuamos no plano das hipótese.
A tese que defendo pois é que o desejo sexual, quanto mais não seja na sua origem, tem de estar ligado ao instinto procriativo, não o aceitar é uma forma de escamotear a realidade. A atividade sexual está indiscutivelmente ligada à concepção e à procriação, está misteriosamente ligada à vida, este facto é iniludível e por tal motivo qualquer explicação sobre a natureza do desejo sexual que o ignore tem de estar de alguma maneira viciada.
Claro que não fazemos sexo para ter filhos, frequentemente até os evitamos, algumas das nossas práticas sexuais nem sequer são de molde a propiciarem procriação e podemos fazer sexo em estádios das nossas vidas em que a procriação nem é já possível, mas isso não impede que bem escondido e sempre latente esteja esse impulso genésico que obviamente aparecerá disfarçado sob as mais variadas expressões culturais.
Se o sexo está ligado à vida, pode supor-se que o que em última instância queremos, quando experimentamos desejo sexual, é vencer a morte, queremos perpetuar o nosso ser através da criação de um novo ser. Por isso é o que o sexo é tão importante: ele encontra-se profundamente ligado ao ciclo da vida e mesmo quando o ato sexual não visa esse fim imediato ele continua a revestir-se da magia que um dia possuiu.