quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Sexualidade androcêntrica – das razões da sua persistência

Mesmo depois de se ter alertado para a especificidade da sexualidade feminina, continua a ouvir-se falar em orgasmo vaginal como sendo superior ao orgasmo clitoriano e o equívoco permanece. Vamos colocar algumas hipóteses explicativas.
Reconhecer que o prazer sexual das mulheres não depende directa e exclusivamente do pénis masculino é algo com que a maior parte dos homens convive mal. Reconhecer que o que dá prazer ao homem – penetração vaginal – não dá necessariamente prazer à mulher, é algo que a sexualidade androcêntrica tem dificuldade em aceitar. E por isso é que muitas mulheres, mais do que seria de supor, muito mais do que seria desejável, simulam o orgasmo para que os seus companheiros se sintam os deuses sexuais que gostam de pensar que são. Acreditar que é possível atingir o orgasmo em reciprocidade com o homem através do coito é uma crença gratificante não só para homens como para mulheres que interiorizaram este modelo sexual.
O modelo do sexo heterossexual pressupõe erecção masculina, penetração vaginal e orgasmo e mesmo para as autoridades em medicina, psicologia e sexologia corresponde ao verdadeiro sexo, sendo outras práticas percebidas como meros desvios que apenas servem para confirmar a norma. O que este modelo fez às mulheres é assunto que ou não é ventilado ou apela para conceitos como frigidez ou disfunção sexual feminina.
As mulheres continuam a não desafiar este modelo sexual androcêntrico porque já perceberam que o custo que têm de pagar, se o fizerem, é demasiado alto, podendo passar pelo desinteresse e rejeição por parte dos seus companheiros. Muitas mulheres não têm experiência sexual antes do casamento, ou se a têm é com o namorado que virá a ser marido; para além da falta de experiência, acontece ainda que estas questões não são objectivadas, não se fala nelas, o que é notório porque por exemplo, as mulheres retraem-se de fazer comentários quando o tema vem a baila e remetem-se ao silêncio.
Uma vez iniciada a vida sexual com o companheiro, a mulher percebe que, para ele, se a ama, é importante que ela tenha prazer e experimente orgasmo, ora, para não desmerecer a expectativa, naturalmente ela aprende a simular o orgasmo; investigações levadas a cabo neste domínio revelam que a percentagem de mulheres que reconhecem ter em alguma circunstância simulado orgasmo é muito alta, em alguns estudos ronda os setenta por cento, mas se calhar o número é mesmo superior.
Ora uma vez estabelecido este padrão - penetração vaginal e simulação do orgasmo -, fica complicado para as mulheres superarem as causas da sua insatisfação sexual ou sequer reconhecê-la em palavras. Muitas ainda balbuciam que o orgasmo não é tudo, nem sequer é o mais importante, não percebendo que também aqui se estão a auto-ludibriar para evitarem a dissonância cognitiva. Qualquer pessoa de simples bom senso sabe que a situação mais ou menos crónica de sexo sem orgasmo é altamente frustrante tanto para homens quanto para mulheres, qualquer pessoa de elementar bom senso percebe que a já anedótica dor de cabeça da mulher na hora do sexo ou o seu desinteresse pela actividade sexual são a consequência directa da antecipação de uma situação que ela não experimenta como prazerosa.
Continua a considerar-se que a sexualidade vaginal é mais madura e superior a clitoriana o que não tem qualquer evidência que a suporte e portanto parece mais do domínio dos mitos culturais do que da realidade, mas muito poucas pessoas se mostram interessadas em desmistificar este entendimento.

2 comentários:

  1. Rita, penso que a ideia dos Contemporâneos (e do Bruno Nogueira neste caso em particular) é consciencializar e chamar à atenção para a mente das pessoas que continua a ser tão fexada e, por isso, tão preconceituosa. Até porque o facto de ele fazer um video sobre este assunto, não significa que ele concorde com estas pessoas. Antes pelo contrário, isto entra num programa humorístico e, por isso, está a parodiá-las, a ridicularizá-las...

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  2. Boneca de Trapos
    Pode ser, eu não estou dentro do contexto mas o que vi pareceu-me ser extraordinariamente ambíguo. Piada com violencia domestica tem de ser muito, muito bem feita, de outro modo é arriscado.

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