Hoje, no Ocidente, a permissividade sexual é vista com suspeição pelos setores conservadores das sociedades, preocupados com questões tais como gravidez na adolescência, doenças sexualmente transmissíveis, desvios sexuais e violência sexual.
Os remédios apontados pelos conservadores vão desde a abstinência sexual antes do casamento (para as jovens, é claro), passam pela fidelidade no casamento monogâmico (para as esposas, é claro) e pela valorização da heterossexualidade. A educação sexual é descartada ou então reduzida a um nível em que o seu interesse fica discutível, o aborto é fortemente contrariado, os anticoncepcionais de acesso difícil, sobretudo para as jovens solteiras. Além disso, as fações conservadoras encaram a sexualidade sob uma perspetiva moralista, como algo que é mau a menos que… e as suas posições não conseguem esconder a defesa da teoria do duplo padrão de conduta que sempre discriminou as mulheres e não permitiu nem permite que construam em liberdade a sua própria sexualidade e, portanto, é uma teoria que favorece o machismo e a licenciosidade masculina.
Numa tentativa de lutar contra este moralismo sexual que quer continuar a limitar as mulheres na expressão da sua sexualidade, algumas feministas defendem um postura oposta, aceitando experiências de promiscuidade sexual feminina, de outras orientações sexuais que não apenas a heterossexual, de práticas sado-masoquistas e até mesmo da participação em filmes pornográficos e na prostituição. Com esta defesa pretendem pôr em causa os valores tradicionais, ligados às ‘virtudes’ femininas da modéstia, castidade e do duplo padrão, cujo objetivo, pensam, é manter as mulheres numa situação de submissão sexual ao homem, situação ainda dominante nas relações heterossexuais.
Contra esta postura, aparentemente revolucionária, pode-se argumentar que as práticas acima referidas, práticas que objetificam as mulheres e por isso estão ao serviço da sua opressão e exploração, respondem exatamente ao que os homens querem do sexo, numa sociedade em que a sexualidade masculina é a dominante e em que as mulheres foram colonizadas sexualmente, como se pode constatar pela expressão que o desejo sexual assume em muitas delas. Afinal defender estas práticas, mesmo se a título de experiência e com intenção de libertar as mulheres, é defender práticas que foram ‘desenhadas’ para manter as mulheres ao serviço dos homens, equivale a defender a sexualidade do domínio/submissão, pois que outra coisa são a pornografia main stream, a prostituição ou as práticas sado-masoquistas? Adotar estas práticas acaba por ter como consequência legitimar o abuso e a violência sexual dos homens sobre as mulheres, que enviam a mensagem de que elas são aceitaveis.
‘Reinventar’ a sexualidade feminina deveria ser a prioridade e essa reinvenção deveria passar pela eliminação de uma sexualidade de domínio/submissão, de feição nitidamente sado-masoquista, e pelo estabelecimento de reciprocidade sexual. Claro que isto exige um esforço colossal pois se as mulheres foram ‘educadas’, ou melhor deseducadas, sexualmente num contexto sexual de domínio/submissão, se os seus desejos sexuais foram formados nesse contexto, procurar relacionar-se sexualmente seja com um homem, seja com outra mulher, evitando conscientemente recorrer a esse modelo e às respetivas práticas, é uma tarefa extremamente difícil porque implica alterar estruturas do desejo que se encontram implantadas em camadas profundas do psiquismo feminino.
Isto talvez permita compreender por que muitas mulheres relutam em abandonar a perspetiva masculina sobre sexo e o papel que se espera que elas desempenhem porque interiorizaram de tal maneira essa perspetiva e esse papel que se sentem confortáveis e não estão dispostas a sacrificar esse bem-estar pelo que seria politicamente correto. Assim é que muitas mulheres, sobretudo as mais jovens, o que querem é ser consideradas atraentes pelos homens e não se importam de se sujeitarem a quaisquer práticas sexuais, independentemente de estas lhes darem ou não prazer, se tal for necessário. Claro que na raiz deste comportamento está todo um processo de formação da feminilidade que enfatiza fortemente a aparência e a passividade, mas como vamos fazer-lhes entender que esse processo existe, que o sofreram e que ele não é a melhor maneira de se afirmarem como pessoas e de terem uma vida realizada?
Do mesmo modo, como vamos convencer prostitutas, que não vêem qualquer hipótese de deixarem a prostituição e de serem de outro maneira bem sucedidas, mas que sofrem direta e imediatamente o desconforto pelo facto de a prostituição não estar legalizada, de que a legalização não é solução e bem pelo contrário é a legitimação da violência sexual que quotidianamente sofrem e que, de tão quotidiana, se lhes tornou natural e aceitável?
Por todos estes motivos, embora tarefa difícil, ingrata e espinhosa, interessaria que mais feministas e mais blogueiras feministas se dedicassem a refletir sobre estas questões ao invés de continuarem preocupadas com «fait divers» que não vão à raiz dos problemas.