segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Freud e as mulheres

Freud escreveu em New Introductory Lectures (1933): “O facto de que as mulheres devem ser consideradas como tendo escasso sentido de justiça está sem dúvida relacionado com a predominância da inveja na sua vida mental … Também consideramos as mulheres mais fracas em interesses sociais e como tendo menor capacidade para sublimarem os seus instintos do que os homens.”

Freud foi mais um, numa longa lista de pensadores ilustres, a considerar as mulheres inferiores aos homens não só do ponto de vista físico, mas também no domínio ético; para justificar essa inferioridade encontrou o racional na biologia, a inferioridade das mulheres decorreria de um acidente biológico: a falta de pénis e o trauma que esta descoberta teria provocado nos elementos do sexo feminino – é a conhecida teoria da inveja do pénis, para a qual não existe nenhuma evidência empirica e que lhe deve simplesmente ter ocorrido pelo facto de culturalmente se definirem as mulheres pela negativa, ser mulher é não ser homem, é não ter um pénis. Nunca ninguém se lembrou de dizer que ser homem é não ser mulher, é não ter uma vagina, porque a cultura andocêntrica em que mulheres e homens têm vivido só coloca as mulheres em posição de  dependência, não os homens.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Clitoris e pénis

Os homens estão profundamente convencidos de que o pénis é um instrumento de prazer para as mulheres. Não é. O clitoris é.
Se quisermos conseguir um sexo gratificante, tanto para mulheres como para homens, temos de aceitar esta premissa básica e parar de nos iludirmos mais acerca do assunto, coisa em que as mulheres são especialistas pois têm séculos de treino sobre fingimento orgásmico. Temos de encontrar forma, pelo menos na relação heterossexual, de conseguir a conjugação, senão perfeita, pelo menos possível, entre clitoris e pénis e há algumas posições sexuais que favorecem essa conjugação.
Para principiar, a postura clássica do homem sobre a mulher pode conduzir a mulher ao orgasmo, desde que se permita que ela tenha algum controlo sobre a situação e desde que ela não se comporte passivamente, como é costume e como os homens normalmente desejam. Nessa posição, a mulher pode orientar os movimentos corporais do homem a fim de que o clitoris também seja estimulado durante a penetração vaginal. O que acontece é que por vezes o companheiro lhe pede, com melhores ou piores modos, que esteja quieta e então o caldo fica completamente entornado, sobretudo se a experiência dela nestas andanças for exígua e se não quiser desagradar ao parceiro.
Como se percebe, há duas coisas fundamentais para um sexo gratificante para a mulher: o controlo da mulher no acto sexual - uma mulher activa que procura o seu próprio prazer; e o poder da mulher para assim proceder. Mas tudo, social e culturalmente, dificulta esta atitude. Por um lado, ela foi e continua a ser educada para agradar aos outros e não a si mesma. Por outro, ainda hoje, muitos homens entendem o acto sexual como um acto em que a mulher amorosamente se submete ao homem e apreciam aquela que assim procede ou finge proceder, ainda hoje muitos homens entendem que no sexo os homens possuem as mulheres, ora esta cultura não permite que as mulheres construam a sua própria sexualidade, apenas que se moldem aos desejos e à sexualidade masculina.
Muito mais se pode dizer sobre este tema e prometo voltar a abordá-lo.
Propositadamente escrevi clitoris sem acento, porque desta forma a palavra  ganha outra sonoridade, silenciada na forma que o dicionário estipula.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O tópico do orgasmo feminino é espinhoso ...

Do livro Finding the Doorbell, escolhi dois excertos; um refere a dificuldade que as mulheres sentem em falar acerca do orgasmo, outro apresenta-nos os conselhos  de Betty Dodson, escritora e sexóloga norte-americana.

“O tópico do orgasmo feminino é espinhosos, porque poucas mulheres sequer sabem o que as conduz ao orgasmo e menos ainda como verbalizá-lo. Qualquer conversação acerca de orgasmo é potencialmente desconfortável, mas pode tornar-se ainda mais desconfortável quando se trata de pessoas que se encontram numa relação duradoura. O orgasmo tem predominantemente a ver com sensações e quanto mais investimos em outros aspectos do nosso relacionamento maior relutância temos em falar acerca da nossa procura egoísta do puro prazer. Temos tendência a falar acerca de como pensamos que nos devíamos sentir sexualmente em vez de falar de como realmente nos sentimos sexualmente.”

«Dodson adere à filosofia básica de que “A chave para que uma mulher seja consistentemente orgásmica é quando ela chega à idade ou ao lugar em que ela toma o controlo do seu próprio clítoris. Quando ela pode dizer: ‘Sou responsável pelo meu próprio orgasmo. Não há mulheres que não sejam orgasmicas. Isso é falta de informação.” Ela defende que ter orgasmos não depende de encontrares o teu homem ou aprenderes a submeter-te para prazer de uma outra pessoa. É acerca de tomar o comando do teu próprio voo. Tens de pôr a tua própria máscara de oxigénio antes que possas ajudar os outros.»

Cindy Pierce e Edie Thys Morgan: Finding the Doorbell, Nomad Press, 2008.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Orgasmo feminino – porquê continuar a ignorar o problema?

Na relação heterossexual, os homens, através da penetração vaginal, têm prazer e atingem normalmente o orgasmo; ora, como os homens têm sido o sexo dominante, este modelo sexual foi também o modelo que se instituiu como norma e esta sexualidade androcêntrica foi naturalmente imposta às mulheres que a interiorizaram.
Durante praticamente toda a história da humanidade, este modelo sexual não levantou qualquer problema (1) porque a desatenção relativamente aos interesses das mulheres era simplesmente natural; (2) porque as questões relacionadas com o sexo eram tabu e não se lhes dedicava qualquer atenção minimamente séria e ainda (3) porque para a procriação o orgasmo feminino era dispensável.
Só a partir do século XIX, a recém-criada ciência da sexologia se começou a debruçar sobre as questões sexuais e a reconhecer que as mulheres também tinham direito ao prazer sexual. Mas os termos em que a relação sexual era entendida continuavam a ser os mesmos e muitas mulheres não atingiam o orgasmo porque para elas a penetração vaginal mostrava-se insuficiente.
Estava-se perante um problema, mas, ao invés de se reconhecer que provavelmente o modelo sexual seguido era masculino e não convinha às mulheres, os sexólogos, médicos e psicólogos decretaram que eram as mulheres que estavam erradas: as mulheres que se queixavam de não atingirem o orgasmo na relação sexual eram consideradas frígidas - doentes a requereram tratamento -, não era o modelo que estava errado, eram elas que estavam “erradas”.
O peso da tradição e do preconceito é tão grande que as coisas se mantiveram praticamente inalteradas e só nas últimas décadas as autoras feministas têm vindo a contestar este modelo sexual e a alertar para o autêntico problema de saúde pública que é a insatisfação sexual de um número muitíssimo significativo de mulheres; as estatísticas não são rigorosas, mas tudo leva a crer que os índices de mulheres que não atingem o orgasmo na relação sexual, via penetração vaginal, ultrapassa largamente os 50%. Se estes números reflectissem uma doença, estar-se-ia perante uma verdadeira endemia. Mas hoje, que já se fala mais sobre estes assuntos, embora ainda não o suficiente, sabe-se que o tempo necessário para mulheres e homens atingirem o orgasmo através da masturbação é praticamente equivalente e portanto, se as mulheres pela masturbação – estimulação do clítoris - atingem o orgasmo, então elas não são frígidas quando não o conseguem na relação sexual «normal», sem estimulação do clítoris, essa relação é que não se revela adequada.
O que não deixa de ser curioso é que as mulheres continuam colonizadas, mesmo as mais jovens e aparentemente mais desinibidas, e quando surgem oportunidades de debaterem este assunto fogem dele como o diabo da cruz, afinal até parece que a insatisfação sexual das mulheres, que as estatísticas situam em números absurdamente altos, é coisa que só acontece às outras. Por que será que as mulheres fogem da raia sobre um assunto que lhes diz directamente respeito?

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Violação – crime ao serviço da ordem patriarcal

A violação é um crime que atenta contra um dos mais elementares direitos do ser humano, o direito à integridade física que, nessa situação, é fortemente lesada. A violação é uma prerrogativa masculina que leva a mulher a ter receio do macho; a simples ameaça de violação molda profundamente a identidade feminina e, ao limitar as vidas das mulheres no seu quotidiano e nas suas opções, mina profundamente a sua independência, levando-as a perceberem-se como vítimas - fracas, passivas e, por inerência, inferiores.
 A violação tem sempre a ver com a opressão de género, mesmo quando é perpetrada contra outros homens, porque a intenção do violador é «feminizar» aquele que é violado.
A sociedade nem sempre encara a violação com a seriedade que tão hediondo crime exige. Basta lembrarmos o humor à volta do tema e a sua trivialização; chega mesmo a desculpar-se, assacando-se a responsabilidade à vítima. Não é incomum ouvir-se dizer que fulano ou beltrano violou porque se sentia rejeitado pelas mulheres, tudo se passando como se fosse um direito dos homens ter acesso aos corpos das mulheres. Partindo desta mesma premissa, em muitos países não é reconhecida a violação marital e, em muitos outros, quando uma mulher é violada pretende-se que a ofensa maior não é feita à mulher, mas ao seu marido, pai ou irmão de quem ela seria propriedade que ficaria, por tal facto, completamente destituída de valor.
Há quem pretenda que a violação não é um problema de sexo, que é um problema de violência. Mas esta tese esquece que existem ligações culturais e ideológicas muito fortes entre sexo e violência; esquece que é frequente a cultura erotizar a violência sexual; esquece que sempre que se entende a relação heterossexual como uma relação de domínio/submissão a violência está presente.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A sexualidade das mulheres – identidade incerta!?

Na ordem patriarcal em que temos vivido e em que, em grande parte, continuamos a viver, as mulheres são condicionadas a interiorizarem a sexualidade masculina que se constitui como norma; isto é, a sexualidade que nos é apresentada como modelo é a masculina; esta realidade, todavia, é camuflada porque se aceita implicitamente que essa sexualidade também é a das mulheres.
A sexualidade masculina, pelo menos tal como tem sido apresentada, aceita e “deseja” que a relação sexual entre um homem e uma mulher seja uma relação de domínio/submissão em que a agressividade do macho contrasta com a passividade da fêmea. Se, na relação sexual, o homem deseja dominar a fêmea e se tira prazer disso, também pressupõe que a fêmea tem prazer em ser dominada e submetida. Dominar, com tudo o que implica de agressividade e de humilhação, e tirar prazer disso pressupõe encarar a violência – porque é disso que se trata - como algo desejável, como algo sexy, como algo glamoroso.
Este modelo sexual de domínio/submissão é reforçado, amplificado e transmitido pela pornografia “mainstream”, consumida não só pelos homens, mas também pelas suas companheiras que aprendem “o seu papel” e aprendem a canalizar os seus desejos sexuais em função dos desejos dos homens. Não dispondo de outros modelos, não conseguem perceber que afinal não tiveram oportunidade de construir a sua sexualidade, nos seus próprios termos, porque esses termos nem sequer existem e lhes foi pura e simplesmente imposta a sexualidade masculina. Neste particular, é necessário não esquecer que a sociedade e a cultura vigente ainda hoje condicionam as mulheres a não se sentirem a vontade para reflectirem sobre as suas experiências sexuais, com a agravante de que a própria linguagem que têm de usar para referir o sexo é uma linguagem que foi criada em sociedades sexistas e que manifesta e reforça esse sexismo porque muito claramente objectifica a mulher e pressupõe a sua passividade e submissão aos desejos do macho, como se esses também fossem os seus desejos. Para quem tem dúvidas sobre o que estou a dizer, uma simples enumeração de expressões conotadas com o sexo bem como o anedotário circulante pode ser esclarecedor.
Ora esta situação afecta as mulheres em geral, mesmo as mais jovens e aparentemente mais desinibidas; curiosamente estas, quando conversam sobre sexo, revelam com frequência uma ausência quase total de espírito crítico e na prática dirigem para si próprias o olhar masculino que interiorizaram sem de tal sequer se aperceberem. Porque são desinibidas não só nas palavras mas também nos actos, entendem-se por modernas e ignoram que apenas estão a dar novas formas e a justificar ideias antiquíssimas acerca de como as mulheres se devem comportar em relação aos homens.
Ainda recentemente assisti a um vídeo que mostrava mulheres jovens a falarem, muito desinibidas e entusiasmadas, das práticas sexuais, as mais variadas e arrojadas, que mantinham com os seus parceiros, essas práticas eram exactamente aquelas a que assistimos nos filmes pornográficos mainstream - que qualifico de sexistas. Mas havia uma coisa de que elas não falavam e essa coisa era o orgasmo. Ora, se sabemos que um número muito significativo de mulheres continua a não atingir o orgasmo através da relação sexual, fica estranho e a conclusão que tirei foi que provavelmente elas têm a mesma dificuldade em atingirem o orgasmo que a maioria das mulheres experimentam, mas esse problema que importava debater … bem, esse foi olimpicamente ignorado.
A sensação com que fico é que os homens tem muitas ilusões acerca da sexualidade das mulheres e estas, talvez por medo de perderem os parceiros, não ajudam a desfazer essas ilusões.