sábado, 10 de setembro de 2011

Mulheres e promiscuidade sexual

Embora seja difícil definir o que se deva entender por sexo promíscuo, podemos avançar que será aquele em que há vários parceiros sexuais e não se estabelece uma relação de comprometimento afetivo e social.
O conceito de promiscuidade sexual comporta uma carga negativa para as mulheres que não encontramos em relação aos homens. Para as mulheres, além dos receios relacionados com doenças sexualmente transmissíveis, a promiscuidade implica outros riscos. Mesmo quando gozam de independência económica e controlam a sua capacidade reprodutiva, continuam a ser socialmente penalizadas se seguirem esse padrão de conduta. Não são só os homens que as criticam e desvalorizam; o duplo padrão, interiorizado por muitas mulheres casadas, também as leva a culpabilizarem as mulheres solteiras, que assumem essa postura, pelos “deslizes” dos próprios maridos: não é um marido adúltero o criticado, é a “vadia” que o tentou que vai arcar com todas as culpas.
Por outro lado numa época de brutal violência sexual contra as mulheres muitas encaram o sexo casual, ligado à promiscuidade sexual, como demasiado arriscado para valer a pena. A frequência assustadora da violação por conhecidos não deixa muito espaço para uma vida sexual segura. Tudo isto explica por que a promiscuidade continua a ser evitada por muitas mulheres, sem ser necessário apelar-se para uma natureza feminina diferente da masculina.
Ora, negar à mulher condições físicas e psicológicas para que possa seguir uma vida sexual promíscua entendendo-se por tal uma em que não se limita a ter sexo no interior de uma relação heterossexual estável, com um único parceiro, é de alguma maneira limitar a sua capacidade de escolha, de libertação e de construção da sua própria sexualidade.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Da necessidade de se refletir sobre a sexualidade feminina

A discussão sobre sexo e sexualidade, mesmo quando empreendida por filósofos, tem-se limitado na prática a exprimir um ponto de vista masculino e a refletir uma visão androcêntrica: é a maneira como os homens vivem o sexo que é explorada, presumindo-se mais uma vez que a sexualidade masculina é um universal. Esta situação é compreensível, mas não é aceitável; todavia só poderá ser modificada a partir do momento em que filósofas feministas se debrucem também sobre o assunto.
Nos nossos dias começamos a encontrar feministas que procuram contrariar a tendência androcentrica, de entre estas destaca-se Linda LeMonchec, autora de Loose Women Lecherous Men, cuja leitura recomendo vivamente. As feministas que abordam estes temas são alvo de críticas virulentas, acusadas de extremistas e de «desmancha-prazeres», as suas análises são rejeitadas liminarmente. Como o tema é complexo, instala-se entre elas certo divisionismo, por virtude de interpretações divergentes do mesmo fenómeno, habilmente explorado por quem se opõe a qualquer alteração no statu quo.
Mostrar as mulheres como vítimas sexuais e a heterossexualidade como o instrumento privilegiado dessa vitimização até pode ser verdade, mas é rejeitado por muitas, porventura a maioria. Por isso, será importante aprofundar a análise epistemológica para ver até que ponto a maioria das mulheres é afetada por uma certa forma de injustiça epistémica. Com isto quero dizer que muitas mulheres não são sujeitos fiáveis de conhecimento porque lhes faltam os instrumentos intelectuais – conceitos – para objetivarem e perceberem a situação que estão a viver. Para dar um exemplo dessa carência, recordo que no século XIX com a industrialização e a abertura do trabalho fabril a mulheres se verificava um fenómeno lesivo para os seus direitos, fenómeno esse que só começou a ser percebido na sua verdadeira dimensão e combatido com algum sucesso quando se inventou/criou o conceito de ‘assédio sexual’. Isto para mostrar que se não percebermos e formos capazes de expressar conceptualmente o que estamos a viver em termos de sexualidade também não seremos capazes de o entender e consequentemente de agir para modificar o que eventualmente nos está a prejudicar.
Concluo, apelando a muitas feministas - que frequentemente se distraem com o fait divers - para a importância de se refletir com maior profundidade; para que essa reflexão ocorra urge estudar quem já a promoveu e nos pode fornecer informações pertinentes.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Porque é necessário refletir sobre sexo 'no feminino'?

Hoje, no Ocidente, a permissividade sexual é vista com suspeição pelos setores conservadores das sociedades, preocupados com questões tais como gravidez na adolescência, doenças sexualmente transmissíveis, desvios sexuais e violência sexual.
Os remédios apontados pelos conservadores vão desde a abstinência sexual antes do casamento (para as jovens, é claro), passam pela fidelidade no casamento monogâmico (para as esposas, é claro) e pela valorização da heterossexualidade. A educação sexual é descartada ou então reduzida a um nível em que o seu interesse fica discutível, o aborto é fortemente contrariado, os anticoncepcionais de acesso difícil, sobretudo para as jovens solteiras. Além disso, as fações conservadoras encaram a sexualidade sob uma perspetiva moralista, como algo que é mau a menos que… e as suas posições não conseguem esconder a defesa da teoria do duplo padrão de conduta que sempre discriminou as mulheres e não permitiu nem permite que construam em liberdade a sua própria sexualidade e, portanto, é uma teoria que favorece o machismo e a licenciosidade masculina.

Numa tentativa de lutar contra este moralismo sexual que quer continuar a limitar as mulheres na expressão da sua sexualidade, algumas feministas defendem um postura oposta, aceitando experiências de promiscuidade sexual feminina, de outras orientações sexuais que não apenas a heterossexual, de práticas sado-masoquistas e até mesmo da participação em filmes pornográficos e na prostituição. Com esta defesa pretendem pôr em causa os valores tradicionais, ligados às ‘virtudes’ femininas da modéstia, castidade e do duplo padrão, cujo objetivo, pensam, é manter as mulheres numa situação de submissão sexual ao homem, situação ainda dominante nas relações heterossexuais.

Contra esta postura, aparentemente revolucionária, pode-se argumentar que as práticas acima referidas,  práticas que objetificam as mulheres e por isso estão ao serviço da sua opressão e exploração, respondem exatamente ao que os homens querem do sexo, numa sociedade em que a sexualidade masculina é a dominante e em que as mulheres foram colonizadas sexualmente, como se pode constatar pela expressão que o desejo sexual assume em muitas delas. Afinal defender estas práticas, mesmo se a título de experiência e com intenção de libertar as mulheres, é defender práticas que foram ‘desenhadas’ para manter as mulheres ao serviço dos homens, equivale a defender a sexualidade do domínio/submissão, pois que outra coisa são a pornografia main stream, a prostituição ou as práticas sado-masoquistas? Adotar estas práticas acaba por ter como consequência legitimar o abuso e a violência sexual dos homens sobre as mulheres, que enviam a mensagem de que elas são aceitaveis.
‘Reinventar’ a sexualidade feminina deveria ser a prioridade e essa reinvenção deveria passar pela eliminação de uma sexualidade de domínio/submissão, de feição nitidamente sado-masoquista, e pelo estabelecimento de reciprocidade sexual. Claro que isto exige um esforço colossal pois se as mulheres foram ‘educadas’, ou melhor deseducadas, sexualmente num contexto sexual de domínio/submissão, se os seus desejos sexuais foram formados nesse contexto, procurar relacionar-se sexualmente seja com um homem, seja com outra mulher, evitando conscientemente recorrer a esse modelo e às respetivas práticas, é uma tarefa extremamente difícil porque implica alterar estruturas do desejo que se encontram implantadas em camadas profundas do psiquismo feminino.
Isto talvez permita compreender por que muitas mulheres relutam em abandonar a perspetiva masculina sobre sexo e o papel que se espera que elas desempenhem porque interiorizaram de tal maneira essa perspetiva e esse papel que se sentem confortáveis e não estão dispostas a sacrificar esse bem-estar pelo que seria politicamente correto. Assim é que muitas mulheres, sobretudo as mais jovens, o que querem é ser consideradas atraentes pelos homens e não se importam de se sujeitarem a quaisquer práticas sexuais, independentemente de estas lhes darem ou não prazer, se tal for necessário. Claro que na raiz deste comportamento está todo um processo de formação da feminilidade que enfatiza fortemente a aparência e a passividade, mas como vamos fazer-lhes entender que esse processo existe, que o sofreram e que ele não é a melhor maneira de se afirmarem como pessoas e de terem uma vida realizada?
Do mesmo modo, como vamos convencer prostitutas, que não vêem qualquer hipótese de deixarem a prostituição e de serem de outro maneira bem sucedidas, mas que sofrem direta e imediatamente o desconforto pelo facto de a prostituição não estar legalizada, de que a legalização não é solução e bem pelo contrário é a legitimação da violência sexual que quotidianamente sofrem e que, de tão quotidiana, se lhes tornou natural e aceitável?
Por todos estes motivos, embora tarefa difícil, ingrata e espinhosa, interessaria que mais feministas e mais blogueiras feministas se dedicassem a refletir sobre estas questões ao invés de continuarem preocupadas com «fait divers» que não vão à raiz dos problemas.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

«Raparigas Espertas Casam por Dinheiro»!

 «Raparigas Espertas Casam por Dinheiro»! É como traduzo o sugestivo título de um livro  publicado em inglês «Smart Girls Marry Money». Quando me deparei com este título inicialmente a minha reação foi desfavorável pois, como praticamente todas as mulheres, fui educada na tradição romântica que considera abjetos cálculos de natureza material na escolha do companheiro. Hoje, devidamente instruída quanto às armadilhas da ideologia romântica, dou todo o meu apoio à tese de que, assim como assim, se vamos entrar num negócio no qual somos a parte mais fraca e vulnerável, o melhor é acautelarmos os nossos interesses, selecionando alguém que pelo menos dê garantias de suporte económico e se encontre nesse aspeto numa posição superior à nossa, mesmo que não seja assim tão jovem e belo como supostamente deveria ser o príncipe encantado.
 Escolher um macho alfa só pode ser uma lamentável estupidez; este vai sentir necessidade de constantemente confirmar a sua macheza com outras, o que francamente não faz nada bem à auto-imagem da mulher que o elegeu; vai querer sempre dominar as suas mulherzinhas e controlar as suas vidas, só uma tola ou uma desprevenida embarca nesse bote furado, um macho alfa só encontra mulheres beta, não queira ser uma delas, quando muito pode ter uma experiência, mas provavelmente nem a experiência vale, só se for para lhe mostrar que afinal ele não é lá isso por aí além.
Mas o conselho que eu de facto gostaria de dar às jovens mulheres, as outras, se ainda não aprenderam, também não vale a pena perder tempo com elas, é o de que melhor do que casar por dinheiro é mesmo não casar; não faça depender de outra pessoa, ainda por cima, do sexo masculino, logo em princípio pouco fiável, a sua capacidade de ser feliz, tenha a coragem de tomar o seu destino nas próprias mãos.

sábado, 14 de maio de 2011

Sobre a natureza do desejo sexual

Os temas ligados à sexualidade mereceram escassa atenção por parte dos filósofos e o pouco que escreveram não foi, de uma maneira geral, esclarecedor. Apresentaram perspetivas sobre a sexualidade e sobre o desejo sexual condicionadas pelas suas concepções éticas, no pressuposto de que essas perspetivas eram universais, e assim não deram grande contributo para a compreensão de um problema que ocupa um lugar tão importante na vida das pessoas. Os sexólogos também não foram, nem são, imunes aos preconceitos da época em que escrevem e ficamos com muitas e justificadas dúvidas quanto às ponderações que nos fornecem; e os cientistas, embora nos possam dar informações importantes, também não são mais bem sucedidos porque a sua atenção se centra em problemas de natureza fisiológica, decididamente algo pouco relevante quando queremos perceber a sexualidade humana.
Assim, quando falamos em sexualidade, apesar de todos os avanços, continuamos num domínio em que a especulação predomina, em que as reflexões não têm nítido suporte a partir de evidências empíricas. Isto para dizer que o que vou a seguir apresentar são apenas as minha reflexões: posso estar enganada e posso bem vir a modificar ulteriormente as minhas atuais posições.
Quanto à natureza do desejo sexual, rejeito o ponto de vista defendido por Sartre segundo o qual no seu cerne não se encontra o desejo por prazer, penso que o desejo de prazer é fundamental para se perceber a estrutura do desejo sexual; o problema consiste em saber o que queremos quando temos desejo sexual e porque é que o que queremos nos pode dar prazer, obviamente em condições adequadas de estimulação corpórea.
Para princípio de reflexão parece-me que procurar esclarecer a natureza do desejo sexual sem o ligar à procriação é omitir um elemento interessante e provavelmente fulcral para a compreensão deste fenómeno. Podemos perceber facilmente as motivações daqueles que assim procedem: ao fim ao cabo reagem contra a tentativa moralista e religiosa de reduzir o sexo a objetivos procriativos. Mas ao fazerem isso, como se diz em linguagem metafórica, deitam fora o bébé com a água do banho.
 Para evitar equívocos, temos de esclarecer muito bem, a ligação que existe entre desejo sexual e instinto procriativo. Assim como quando comemos ou bebemos satisfazemos um instinto que garante a nossa sobrevivência como indivíduos, também quanto nos entregamos a atividades sexuais satisfazemos um instinto que garante a nossa sobrevivência enquanto espécie. Num caso e no outro podemos continuar a comer e a beber mesmo quando a fome e a sede estão saciadas, ou podemos fazer sexo quando a procriação não se encontra no seu horizonte.  Seria interessante proceder a uma inquirição sobre fantasias sexuais de homens e de mulheres para vermos se estas confirmam ou não esta hipótese que liga sexo a procriação; a minha previsão é a de que confirmariam, mas claro que continuamos no plano das hipótese.
A tese que defendo pois é que o desejo sexual, quanto mais não seja na sua origem, tem de estar ligado ao instinto procriativo, não o aceitar é uma forma de escamotear a realidade. A atividade sexual está indiscutivelmente ligada à concepção e à procriação, está misteriosamente ligada à vida, este facto é iniludível e por tal motivo qualquer explicação sobre a natureza do desejo sexual que o ignore tem de estar de alguma maneira viciada.
 Claro que não fazemos sexo para ter filhos, frequentemente até os evitamos, algumas das nossas práticas sexuais nem sequer são de molde a propiciarem procriação e podemos fazer sexo em estádios das nossas vidas em que a procriação nem é já possível, mas isso não impede que bem escondido e sempre latente esteja esse impulso genésico que obviamente aparecerá disfarçado sob as mais variadas expressões culturais.
Se o sexo está ligado à vida, pode supor-se que o que em última instância queremos, quando experimentamos desejo sexual, é vencer a morte, queremos perpetuar o nosso ser através da criação de um novo ser. Por isso é o que o sexo é tão importante: ele encontra-se profundamente ligado ao ciclo da vida e mesmo quando o ato sexual não visa esse fim imediato ele continua a revestir-se da magia que um dia possuiu.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Para uma crítica radical do sadomasoquismo

Quando se criticam as práticas sexuais sadomasoquistas é frequente ouvir-se dizer que desde que o desejo sexual seja satisfeito e desde que não haja nem coerção física nem engano, isto é, desde que se trate de gente de maior idade que sabe o que faz e que quer o que faz, não há nada de errado com estas práticas pois o que importa é o prazer e a satisfação do desejo. Mas, como diz Sandra Lee Bartky, esta é apenas uma resposta liberal a uma crítica radical da sexualidade e consequentemente não responde a essa crítica.
É uma resposta liberal porque assenta no conceito de liberdade individual e se preocupa acima de tudo com a garantia dessa liberdade, esquecendo completamente as implicações mais profundas daquilo que está em causa. E o que aqui está em causa tem a ver com o fato de a sexualidade, particularmente a sexualidade feminina, ser um construto social, no qual a manipulação do desejo desempenha um papel de primeiro plano. Quer dizer, os nossos desejos são nossos, mas é preciso perceber como viemos a tê-los, que função desempenham, porque é que, se são nossos, tantas vezes convivemos tão mal com eles.
Embora o instinto sexual seja inato, os nossos desejos sexuais não o são, as formas que assumem dependem da forma como aprendemos a viver a sexualidade, como aprendemos a satisfazer o instinto; pode aqui estabelecer-se uma analogia com a fome e o ato de comer: a fome é instintiva, mas o modo como a satisfazemos é cultural.
Vivemos em sociedades onde há uma nítida supremacia masculina e sabemos que essa supremacia é claramente mantida através de uma série de mecanismos e de instituições sociais moldadas com esse objectivo; mas mesmo pessoas esclarecidas não percebem que essa manutenção também é conseguida, embora de forma mais velada, discreta e indireta, através da manipulação do sexo e do desejo sexual. Para levar as pessoas a terem determinados desejos e não outros, não é preciso recorrer nem à força física, nem enganá-las diretamente nem violar qualquer direito legalmente estabelecido, basta usar estratégias manipuladoras e não é preciso fazer grande esforço para perceber como a manipulação atua através de filmes a que assistimos, romances que lemos, filosofias que absorvemos, programas televisivos de natureza vária, publicidade, pornografia etc. etc. O conjunto de possibilidades que moldam a nossa «educação» sexual, sob a aparência de variado, liberal e optativo, é de fato muito limitado e deixa uma pequeníssima margem de manobra. Quer dizer que somos formatad@s sem sequer nos apercebermos do que nos está a acontecer. De resto passa-se o mesmo com a informação em geral que, muito argutamente, soube vestir-se com a capa da pluralidade para afinal veicular uma mensagem única, aquela que interessa ao sistema que é aquela que convém aos donos da informação.
Masculinidade dominadora e feminilidade submissa são assim os frutos do sistema que, temendo deserções, não se esquece de constantemente reforçar os papeis e manipular os desejos e desse modo “A mulher verdadeiramente feminina não só terá desejos sexuais por homens como irá desejar formar-se ela própria tanto fisicamente como em outros aspectos numa mulher que os homens desejem.”

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Sexo anal – uma prática pouco recomendável

Eu sei que Maggie Gallagher não é uma feminista e defende posições das quais definitivamente discordo, mas também sei que concordo com ela quando se refere ao sexo anal e, portanto, apesar das desconfianças, apresento a seguir a tradução de um texto seu em que reflete e opina sobre esta matéria. Reflexões deste tipo fazem sentido quando sabemos que cada vez mais somos enquadradas por uma cultura pornográfica que é o mais retumbante instrumento que nos nossos dias se encontra ao serviço do sexismo; e a pornografia é um instrumento particularmente perigoso porque camuflado de libertário.
As televisões main stream, que não estão nem um nadinha interessadas na emancipação das mulheres, bem pelo contrário, também nos oferecem curiosos programas sobre sexo, como vi recentemente na Globo em Amor e Sexo; o objectivo só pode ser o de enganar as papalvas ou parolas, ou paroquiais ou como queiram chamar-lhes. Num dos últimos programas a que assisti, alturas tantas, abordava-se o sexo anal e a apresentadora teve o desplante de afirmar que algumas mulheres têm preconceito contra a prática, como se esta, «tão moderna», fosse a coisa mais natural do mundo e apenas essas mulheres, mais atrasadas, precisassem de fazer uma revisão e um upgrade dos seus comportamentos sexuais. Um dos participantes, curiosamente um homem, ainda chamou a atenção para o fato de poder ser uma prática que não agrada a todas as mulheres, mas ficou-se nisso e não se adiantou mais.
Posto isto, aqui vem o texto e quem não concordar é favor apontar razões porque quando se apresentam argumentos credíveis e consistentes, falar em preconceito é um autêntico insulto à inteligência das pessoas:
“O sexo anal é uma resposta específica da nossa cultura saturada de pornografia, na qual os jovens vêem cada vez mais imagens de sexo anal com mulheres e pedem às suas namoradas para aceitarem essa prática sexual. As mulheres têm hoje menos poder sexual do que tinha a geração anterior. No que toca aos nossos costumes sexuais, os homens determinam a regra do jogo.
O sexo anal é doloroso, não é higiénico, é insatisfatório para as mulheres e cria riscos únicos de doenças físicas (se duvida, leia a entrada para este tópico na Wikipedia) porque o ânus não é apropriado para a relação sexual, aumentando o risco de feridas e a mistura de fluidos corporais – sangue, sémen, matéria fecal – que podem disseminar uma extraordinária variedade de doenças. Com esta prática o risco para a mulher é muito maior do que para o homem. Este devia ser um tópico a preocupar as feministas.”

Também acho, este devia ser um tópico a preocupar as feministas, afinal se já têm a fama de desmancha-prazeres ao menos deviam ter também o proveito.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Porque é que o desejo sexual feminino é sadomasoquista?

O sadomasoquismo abrange todas as práticas sexuais que implicam a erotização da relação domínio/submissão e é um modelo sexual constantemente reforçado nos romances, filmes, novelas e, como não podia deixar de ser, na pornografia; nestas diferentes manifestações culturais, o sex appeal dos homens reside na sua aparente rudeza e mesmo brutalidade, apresentadas como características viris, a feminilidade das mulheres reside na submissividade.
Muitas mulheres e mesmo muitos homens, que defendem a igualdade entre os sexos, percebem o sadomasoquismo como politicamente incorrecto, como a «expressão inevitável de uma cultura de ódio às mulheres.» De fato como é que, por exemplo, uma mulher que reivindica a igualdade entre os sexos pode aceitar que tem prazer em ser dominada sexualmente por um homem? Como é que pode reconhecer que tira prazer daquilo que quer abolir enquanto ativista política? Se as fantasias sexuais envolvem humilhação, degradação, violação e «bondage»; não surpreende que as mulheres tenham vergonha das suas fantasias sexuais, porque estas rebaixam a sua auto-imagem, mostram-nas como pessoas de menor valor, levam-nas a viver a sexualidade como uma realidade humilhante.
O fato da sexualidade hetero ser sadomasoquista tem inequívocas vantagens para a ordem patriarcal, pois reforça o domínio masculino e a submissão feminina Para a ordem patriarcal, a sexualidade sadomasoquista permite enraizar a dominância masculina e a subordinação feminina no instinto sexual e nos desejos sexuais mais profundos: afinal se as mulheres gostam de ser sexualmente dominadas, então é correto que elas também sejam socialmente dominadas. A prática sadomasoquista só é criticada quando envolve exageros, porque então «os sadomasoquistas revelam, embora de uma forma exagerada, a natureza intrínseca da heterossexualidade e só são estigmatizados porque rasgam o véu atrás do qual a respeitabilidade patriarcal gosta de se esconder. (p.56)
Ao aceitarem e interiorizarem este modelo de sexualidade, as mulheres tornam-se coniventes com a dominação e patuam com as estruturas opressivas que a suportam. Atribuir o estatuto de instinto e de inato a esses desejos sexuais equivale a naturalizar os comportamentos de domínio nos homens e de submissão nas mulheres. Por isso Sandra Lee Bartky diz com toda a propriedade que «a estrutura do desejo heterossexual amarra a mulher ao seu opressor». (p.48)
Portanto temos que as relações heterossexuais comportam uma natureza sadomasoquista e temos que a grande maioria das mulheres é heterossexual estando, assim, sexualmente condicionadas para serem submissas e para terem desejos sexuais alimentados por fantasias masoquistas. Se uma mulher heterossexual for concomitantemente uma feminista empenhada em garantir um estatuto de igualdade para o seu sexo, vai sentir-se muito pouco à vontade com a sua própria sexualidade.
O padrão do desejo heterossexual é interiorizado pelas jovens através de um lento e longo processo de impregnação cultural. Quando adolescentes e adultas, vão experienciar uma sexualidade que incorpora esse desejo que foi social e culturalmente construído. Poderão revoltar-se, poderão fazer alguma coisa para mudar o desejo, reprogramar-se e mudar as suas próprias fantasias sexuais ou estas impõem-se inelutavelmente?
Algumas feministas voluntaristas consideram que assim como a sexualidade é socialmente programada também pode ser individualmente reprogramada; se a mulher tiver uma vontade firme e estiver determinada, conseguirá alterar o padrão dos seus desejos, procedendo a uma autêntica descolonização da sua sexualidade. Mas há de imediato uma suspeição quanto à eficácia deste processo: como é que uma mulher sozinha e isolada é capaz de desfazer o que a cultura e a sociedade levaram anos a construir, como é que alguém que interiorizou por processos de impregnação cultural, de que nem sequer teve consciência, um padrão de desejo sexual sadomasoquista é capaz de alterar esse padrão? Não quero dizer que não haja alguns casos de sucesso, mas, para a enorme maioria das pessoas, isto pode não resultar e censurá-las por não terem força de vontade para o fazer é mais uma vez culpabilizar a vítima, partir do princípio de que a vítima é responsável pela sua vitimização. Sandra Lee Bartky critica abertamente a postura das feministas voluntaristas:

«Na minha opinião, a prevalência em alguns círculos feministas daquilo a que chamo ‘voluntarismo sexual’ com as suas fórmulas simplistas, moralismo, intolerância e recusa em reconhecer a dimensão obsessiva do desejo sexual, é ele próprio um obstáculo à emergência de uma prática adequada.» (p.57)

Eu reconheço a justeza destas observações, mas não posso deixar de lembrar que não se vislumbra nenhuma «prática adequada» que nos permita lidar com o problema: lidar com desejos sexuais que experimentamos como humilhantes e degradantes e dos quais consequentemente sentimos vergonha perante nós próprias. Neste contexto, só se nos apresentam duas alternativas, aceitar esses desejos, tentando o auto-convencimento de que afinal eles não são humilhantes, ou tentar mudá-los. Pessoalmente prefiro optar decididamente pela segunda alternativa por mais difícil que ela possa ser. Em primeiro lugar, como estratégia, defendo o acordar das consciências para este problema, procurando explicar porque é que o desejo sexual feminino assume a forma padrão que assume. Em seguida, cada mulher que conseguiu sair da ‘caverna’, isto é, da ignorância, para utilizarmos a metáfora platónica, e compreendeu os seus desejos, pode, verdadeiramente, optar por mantê-los ou por modificá-los. Neste segundo caso, com o auxílio da imaginação pode tentar construir uma sexualidade autónoma, não colonizada, da qual não se envergonhe.

Citações de Sandra Lee Bartky: Femininity and Domination.
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sexta-feira, 8 de abril de 2011

Sexualidade feminina – ficção ou realidade?!

Sabemos bem que as sociedades, de uma maneira geral, sempre procuraram limitar as experiências sexuais das mulheres, o que está flagrantemente comprovado pela exigência de abstinência sexual até ao casamento e pelo requisito de absoluta fidelidade no casamento. Estas práticas, mesmo no Ocidente, ainda hoje predominam e impõem-se de maneira tão rígida em outras regiões que determinam a condenação à morte, ou no mínimo a marginalização, da mulher, solteira ou casada, que as infringe. Estas práticas, embora impostas pelos homens e em benefício dos homens, foram assumidas pelas mulheres por processos de impregnação cultural.
A limitação da experiência sexual das mulheres é obviamente impeditiva da construção da sua própria sexualidade, pois se uma mulher se limita a ter relações sexuais com um único companheiro para o qual se «guardou», o que ela vai saber do sexo vai ser aquilo que o companheiro lhe transmite, o que temos de convir pode ser bastante redutor e até induzir em erro acerca dela própria e das suas potencialidades; por outro lado, impedida por constrangimentos educacionais de vocalizar uma experiência sexual já de si escassa, não vai ter oportunidade de se compreender, crescer, nem de se desenvolver e adquirir autonomia sexual. Mas há mais; como durante milhares de anos as mulheres foram impedidas de se exprimir livremente a todos os títulos e muito particularmente ao nível da vida sexual,  foram também privadas de termos próprios para se referirem à sua sexualidade ou para exprimirem os seus desejos, só lhes restando a opção de utilizarem os termos que os homens criaram para referir essa experiência, com implicações óbvias: são ‘obrigadas’ a verem-se a elas próprias através dos olhos dos homens. Um exemplo flagrante permite perceber o que está em causa: nas referências linguísticas ao ato sexual, constata-se que o vocabulário usado - as expressões utilizadas - aponta para homens ativos e mulheres passivas, homens que agem e mulheres que sofrem a ação dos homens, o que implica conceber o sexo como uma relação de domínio/ submissão, enfatizando a agressividade masculina e a passividade feminina; por isso é que a expressão que refere a passividade feminina no ato sexual, quando usada em contextos do quotidiano, equivale a um insulto e por isso é que a maior parte das expressões insultuosas se encontram ligadas ao sexo, como se este fosse poder, algo que só é bom para quem o exerce e mau para as mulheres que o suportam e que desejaríamos que os nossos inimigos também suportassem.
A partir da limitação da experiência sexual, por um lado, e da privação de linguagem própria, por outro, consegue-se que as mulheres se construam como objectos a serem manipulados pelos homens e moldem os seus desejos - que naturalmente não conseguem suprimir - nesses termos; assim, em boa verdade, se quisermos seguir uma linha coerente de pensamento, temos de concluir que a sexualidade feminina, enquanto feminina, é uma verdadeira ficção, porque foi imposta e moldada pela sexualidade masculina.
A sexualidade é a maneira como o sexo é vivido, e as mulheres, mercê destes pesados condicionalismos, vivem a sexualidade como submissão ao macho; os seus desejos, as suas fantasias, revestem formas decorrentes deste enquadramento no qual, para abreviarmos, é o desejo sexual do macho que define o masculino e perversamente, também o feminino.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Sexualidade feminina – da ficção à realidade
Tanto a sexualidade feminina quanto a masculina são socialmente construídas; do modo como são construídas, decorre, por um lado, a objetificação das mulheres e, por outro, a conexão entre sexo e violência, porque, como os homens sempre se encontraram em situação de poder eles ‘puderam’ definir a sexualidade e considerar que a dominância é equivalente de masculinidade e a submissão de feminilidade. Nesse contexto, as mulheres adquirem o estatuto de objectos a serem dominados e controlados pelos homens e, se são objetos, então a violência que sobre elas se exerce deixa de ser entendida como violência e está legitimada. Entender a sexualidade em termos de domínio/submissão garante, obviamente, o poder masculino.
 A pornografia também dá uma ajuda, contribuindo de forma decisiva para reforçar estes papéis sexuais, com a agravante de revelar como as mulheres se sentem deliciadas por se enquadrarem neles, pois mostra-as a aderirem a todas as espécies de violência e de abuso, sem resistirem e sentindo-se mesmo agradadas, apesar da humilhação e degradação que têm de suportar. Tudo isto é erotizado: é mostrado como sexy e como prazeroso para as mulheres. Ao assistirem à pornografia os homens ‘aprendem’ que é aquilo de que as mulheres gostam e é aquilo que merecem e os desejos das mulheres também são manipulados para que respondam ao que delas se espera.

terça-feira, 8 de março de 2011

A ablação do clitoris no Ocidente

Hoje, no Ocidente, a maior parte das pessoas encara a ablação do clítoris como uma aberração e um crime contra a sexualidade feminina, mas é bom não esquecermos que, pelo menos na primeira metade do século XX e num país tão desenvolvido como os Estados Unidos, os sexólogos, na esteia de Freud, percebiam a masturbação feminina como uma prática que devia ser evitada e, por vezes, chegavam a aconselhar a remoção cirúrgica do clitoris como forma de tratamento para a histeria, insanidade ou como simples medida higiénica; os registos de clitoridectomias realizadas ainda na década de 30 em hospitais psiquiátricos são um sinal inequívoco desta cultura. Bem vistas as coisa, médicos e sexólogos da época, autoridades aceites e admiradas, mais não faziam do que revelar e expressar os sentimentos misóginos que a sociedade em geral alimentava contra as mulheres e sua sexualidade.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Sexualidade feminina e insegurança masculina

"As regras contra a liberdade sexual das mulheres têm raízes que se estendem às sociedades mais primitivas quando os homens temiam os mistérios da sexualidade feminina e do seu poder reprodutivo. Na Idade Média, para assegurar a supremacia sexual, o homem inventou o cinto de castidade. De modo a controlar o prodigioso apetite sexual das mulheres - que se temia fosse insaciável - tornou-se costume em algumas culturas remover o clitoris da mulher, eliminando assim a fonte do prazer sexual e fazendo dela propriedade do homem. A operação chamava-se clitoridectomia. Quando era considerado necessário limitar ainda mais as mulheres (e dar segurança aos homens) os labia também eram removidos. A operação continua nos dias de hoje em algumas regiões de África e do Oriente Médio onde muitas mulheres não se consideram adequadas para o casamento a menos que tenham sido mutiladas, no que agora é moda chamar-se circuncisão.” (Nancy Friday: Women on Top: How real Life has Changed Women´s Sexual Fantasies, p. 21.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Violação e culpa

Os casos de violação ainda hoje são percebidos como eventos nos quais de alguma maneira a vítima não se encontra isenta de culpa, ou pela maneira como se veste,  se comporta ou pelos lugares que frequenta. Também o anedotário popular não a poupa e encara  com incredulidade a situação. Quem não ouviu ja anedotas alarves sobre mulheres, referidas como menos belas e sedutoras, para as quais a violação seria uma benfeitoria?!

O mais doloroso é que este modo brejeiro de encarar um crime que atenta gravemente contra a integridade física e psíquica das mulheres encontra respaldo no pensamento de pessoas responsáveis, autênticas autoridades em questões de sexo; cabe aqui lembrar o testemunho de Havelock Ellis (1859-1939), sexólogo muito conceituado, que escreveu:

“Há poucas dúvidas de que a alegação de força é com muita frequência utilizada pelas mulheres como a arma de defesa disponível e a mais oportuna quando a relação é descoberta. A mulher tem sido de tal maneira influenciada pela ideia corrente de que nenhuma mulher respeitável pode ter impulsos sexuais próprios que, para ir ao encontro dessa ideia, a fim de esconder o que sente ser percebido como mau e vergonhoso, e também tolo, declara que o acto nunca ocorreu por sua vontade.” (Studies in the Psychology of Sex).

O que se depreende das palavras de Ellis é que a alegação de violação é apenas uma estratégia usada pela mulher para não ser penalizada socialmente, deste modo, o seu testemunho é completamente descredibilizado e ela é duplamente vítima, vítima de violencia sexual e vítima de injustiça epistémica porque  é desvalorizada enquanto sujeito de conhecimento.

Masturbação - a coisa mais natural do mundo

“Here is the most natural thing in the world – our own hand on our own genitals, doing something that gives us pleasure and harms no one, practicing the safest sex in the world – yet we feel guilty as thieves, our sense of self lessened when it should be heightened by mastery and self-love.
Masturbation is not, after all, a difficult skill, like learning to play the violin. The hand automatically moves between our legs in the first year of life. Something, someone gets between it and our genitals so early that most of us cannot remember. A message is imprinted on the brain, a warning so fraught with fear that long after we are grown, even after we have allowed a man to put his penis inside us, to touch our genitals, we are ambivalent about touching ourselves. We may do it, but it is a physical act against a mental pressure – this delicate movement of our fingers that is only effective when the mind releases us. Sweet as orgasm feels, we are not left with an enhanced sense of womanliness; we have won the battle but lost our status as Nice Girls.
Masturbation used to be called the great taboo for women because it was sexual satisfaction outside of a relationship. Masturbation meant a measure of autonomy, and nobody wanted women to have that much control over themselves.”
Nancy Friday: Women on Top: How real Life has Changed Women´s Sexual Fantasies, p. 19.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Sexualidade androcêntrica – das razões da sua persistência

Mesmo depois de se ter alertado para a especificidade da sexualidade feminina, continua a ouvir-se falar em orgasmo vaginal como sendo superior ao orgasmo clitoriano e o equívoco permanece. Vamos colocar algumas hipóteses explicativas.
Reconhecer que o prazer sexual das mulheres não depende directa e exclusivamente do pénis masculino é algo com que a maior parte dos homens convive mal. Reconhecer que o que dá prazer ao homem – penetração vaginal – não dá necessariamente prazer à mulher, é algo que a sexualidade androcêntrica tem dificuldade em aceitar. E por isso é que muitas mulheres, mais do que seria de supor, muito mais do que seria desejável, simulam o orgasmo para que os seus companheiros se sintam os deuses sexuais que gostam de pensar que são. Acreditar que é possível atingir o orgasmo em reciprocidade com o homem através do coito é uma crença gratificante não só para homens como para mulheres que interiorizaram este modelo sexual.
O modelo do sexo heterossexual pressupõe erecção masculina, penetração vaginal e orgasmo e mesmo para as autoridades em medicina, psicologia e sexologia corresponde ao verdadeiro sexo, sendo outras práticas percebidas como meros desvios que apenas servem para confirmar a norma. O que este modelo fez às mulheres é assunto que ou não é ventilado ou apela para conceitos como frigidez ou disfunção sexual feminina.
As mulheres continuam a não desafiar este modelo sexual androcêntrico porque já perceberam que o custo que têm de pagar, se o fizerem, é demasiado alto, podendo passar pelo desinteresse e rejeição por parte dos seus companheiros. Muitas mulheres não têm experiência sexual antes do casamento, ou se a têm é com o namorado que virá a ser marido; para além da falta de experiência, acontece ainda que estas questões não são objectivadas, não se fala nelas, o que é notório porque por exemplo, as mulheres retraem-se de fazer comentários quando o tema vem a baila e remetem-se ao silêncio.
Uma vez iniciada a vida sexual com o companheiro, a mulher percebe que, para ele, se a ama, é importante que ela tenha prazer e experimente orgasmo, ora, para não desmerecer a expectativa, naturalmente ela aprende a simular o orgasmo; investigações levadas a cabo neste domínio revelam que a percentagem de mulheres que reconhecem ter em alguma circunstância simulado orgasmo é muito alta, em alguns estudos ronda os setenta por cento, mas se calhar o número é mesmo superior.
Ora uma vez estabelecido este padrão - penetração vaginal e simulação do orgasmo -, fica complicado para as mulheres superarem as causas da sua insatisfação sexual ou sequer reconhecê-la em palavras. Muitas ainda balbuciam que o orgasmo não é tudo, nem sequer é o mais importante, não percebendo que também aqui se estão a auto-ludibriar para evitarem a dissonância cognitiva. Qualquer pessoa de simples bom senso sabe que a situação mais ou menos crónica de sexo sem orgasmo é altamente frustrante tanto para homens quanto para mulheres, qualquer pessoa de elementar bom senso percebe que a já anedótica dor de cabeça da mulher na hora do sexo ou o seu desinteresse pela actividade sexual são a consequência directa da antecipação de uma situação que ela não experimenta como prazerosa.
Continua a considerar-se que a sexualidade vaginal é mais madura e superior a clitoriana o que não tem qualquer evidência que a suporte e portanto parece mais do domínio dos mitos culturais do que da realidade, mas muito poucas pessoas se mostram interessadas em desmistificar este entendimento.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Sexo - uma fase patética

Actualmente a vida sexual da maior parte das pessoas parece atravessar uma fase verdadeiramente patética, muito por culpa da cultura porno. É espantoso o que o condicionamento dos filmes pornográficos pode fazer a homens e a mulheres.
O “sexo vulgar” – com intimidade, reciprocidade, afecto e amor – é percebido como coisa do passado por gente condicionada a ver mulheres plastificadas a serem violadas analmente. Os homens estão autenticamente impregnados de pornografia e as mulheres fazem todos os esforços por lhes corresponder com medo de que dêem á sola em busca de outras companheiras mais permissivas. Não é que lhes agradem as práticas sexuais a que têm de se submeter, mas é preciso mostrarem-se modernas e desempoeiradas. De resto, de há muito estão preparadas para se preocuparem pouco com o que lhes agrada e a não darem atenção às suas próprias necessidades.
No fim perdem todos, homens e mulheres não fazem amor, limitam-se apenas a macaquear os estúpidos vídeos porno que o mercado livre lhes permite consumirem a fim de livre e alegremente, se estupidificarem cada vez mais.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Freud e as mulheres

Freud escreveu em New Introductory Lectures (1933): “O facto de que as mulheres devem ser consideradas como tendo escasso sentido de justiça está sem dúvida relacionado com a predominância da inveja na sua vida mental … Também consideramos as mulheres mais fracas em interesses sociais e como tendo menor capacidade para sublimarem os seus instintos do que os homens.”

Freud foi mais um, numa longa lista de pensadores ilustres, a considerar as mulheres inferiores aos homens não só do ponto de vista físico, mas também no domínio ético; para justificar essa inferioridade encontrou o racional na biologia, a inferioridade das mulheres decorreria de um acidente biológico: a falta de pénis e o trauma que esta descoberta teria provocado nos elementos do sexo feminino – é a conhecida teoria da inveja do pénis, para a qual não existe nenhuma evidência empirica e que lhe deve simplesmente ter ocorrido pelo facto de culturalmente se definirem as mulheres pela negativa, ser mulher é não ser homem, é não ter um pénis. Nunca ninguém se lembrou de dizer que ser homem é não ser mulher, é não ter uma vagina, porque a cultura andocêntrica em que mulheres e homens têm vivido só coloca as mulheres em posição de  dependência, não os homens.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Clitoris e pénis

Os homens estão profundamente convencidos de que o pénis é um instrumento de prazer para as mulheres. Não é. O clitoris é.
Se quisermos conseguir um sexo gratificante, tanto para mulheres como para homens, temos de aceitar esta premissa básica e parar de nos iludirmos mais acerca do assunto, coisa em que as mulheres são especialistas pois têm séculos de treino sobre fingimento orgásmico. Temos de encontrar forma, pelo menos na relação heterossexual, de conseguir a conjugação, senão perfeita, pelo menos possível, entre clitoris e pénis e há algumas posições sexuais que favorecem essa conjugação.
Para principiar, a postura clássica do homem sobre a mulher pode conduzir a mulher ao orgasmo, desde que se permita que ela tenha algum controlo sobre a situação e desde que ela não se comporte passivamente, como é costume e como os homens normalmente desejam. Nessa posição, a mulher pode orientar os movimentos corporais do homem a fim de que o clitoris também seja estimulado durante a penetração vaginal. O que acontece é que por vezes o companheiro lhe pede, com melhores ou piores modos, que esteja quieta e então o caldo fica completamente entornado, sobretudo se a experiência dela nestas andanças for exígua e se não quiser desagradar ao parceiro.
Como se percebe, há duas coisas fundamentais para um sexo gratificante para a mulher: o controlo da mulher no acto sexual - uma mulher activa que procura o seu próprio prazer; e o poder da mulher para assim proceder. Mas tudo, social e culturalmente, dificulta esta atitude. Por um lado, ela foi e continua a ser educada para agradar aos outros e não a si mesma. Por outro, ainda hoje, muitos homens entendem o acto sexual como um acto em que a mulher amorosamente se submete ao homem e apreciam aquela que assim procede ou finge proceder, ainda hoje muitos homens entendem que no sexo os homens possuem as mulheres, ora esta cultura não permite que as mulheres construam a sua própria sexualidade, apenas que se moldem aos desejos e à sexualidade masculina.
Muito mais se pode dizer sobre este tema e prometo voltar a abordá-lo.
Propositadamente escrevi clitoris sem acento, porque desta forma a palavra  ganha outra sonoridade, silenciada na forma que o dicionário estipula.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O tópico do orgasmo feminino é espinhoso ...

Do livro Finding the Doorbell, escolhi dois excertos; um refere a dificuldade que as mulheres sentem em falar acerca do orgasmo, outro apresenta-nos os conselhos  de Betty Dodson, escritora e sexóloga norte-americana.

“O tópico do orgasmo feminino é espinhosos, porque poucas mulheres sequer sabem o que as conduz ao orgasmo e menos ainda como verbalizá-lo. Qualquer conversação acerca de orgasmo é potencialmente desconfortável, mas pode tornar-se ainda mais desconfortável quando se trata de pessoas que se encontram numa relação duradoura. O orgasmo tem predominantemente a ver com sensações e quanto mais investimos em outros aspectos do nosso relacionamento maior relutância temos em falar acerca da nossa procura egoísta do puro prazer. Temos tendência a falar acerca de como pensamos que nos devíamos sentir sexualmente em vez de falar de como realmente nos sentimos sexualmente.”

«Dodson adere à filosofia básica de que “A chave para que uma mulher seja consistentemente orgásmica é quando ela chega à idade ou ao lugar em que ela toma o controlo do seu próprio clítoris. Quando ela pode dizer: ‘Sou responsável pelo meu próprio orgasmo. Não há mulheres que não sejam orgasmicas. Isso é falta de informação.” Ela defende que ter orgasmos não depende de encontrares o teu homem ou aprenderes a submeter-te para prazer de uma outra pessoa. É acerca de tomar o comando do teu próprio voo. Tens de pôr a tua própria máscara de oxigénio antes que possas ajudar os outros.»

Cindy Pierce e Edie Thys Morgan: Finding the Doorbell, Nomad Press, 2008.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Orgasmo feminino – porquê continuar a ignorar o problema?

Na relação heterossexual, os homens, através da penetração vaginal, têm prazer e atingem normalmente o orgasmo; ora, como os homens têm sido o sexo dominante, este modelo sexual foi também o modelo que se instituiu como norma e esta sexualidade androcêntrica foi naturalmente imposta às mulheres que a interiorizaram.
Durante praticamente toda a história da humanidade, este modelo sexual não levantou qualquer problema (1) porque a desatenção relativamente aos interesses das mulheres era simplesmente natural; (2) porque as questões relacionadas com o sexo eram tabu e não se lhes dedicava qualquer atenção minimamente séria e ainda (3) porque para a procriação o orgasmo feminino era dispensável.
Só a partir do século XIX, a recém-criada ciência da sexologia se começou a debruçar sobre as questões sexuais e a reconhecer que as mulheres também tinham direito ao prazer sexual. Mas os termos em que a relação sexual era entendida continuavam a ser os mesmos e muitas mulheres não atingiam o orgasmo porque para elas a penetração vaginal mostrava-se insuficiente.
Estava-se perante um problema, mas, ao invés de se reconhecer que provavelmente o modelo sexual seguido era masculino e não convinha às mulheres, os sexólogos, médicos e psicólogos decretaram que eram as mulheres que estavam erradas: as mulheres que se queixavam de não atingirem o orgasmo na relação sexual eram consideradas frígidas - doentes a requereram tratamento -, não era o modelo que estava errado, eram elas que estavam “erradas”.
O peso da tradição e do preconceito é tão grande que as coisas se mantiveram praticamente inalteradas e só nas últimas décadas as autoras feministas têm vindo a contestar este modelo sexual e a alertar para o autêntico problema de saúde pública que é a insatisfação sexual de um número muitíssimo significativo de mulheres; as estatísticas não são rigorosas, mas tudo leva a crer que os índices de mulheres que não atingem o orgasmo na relação sexual, via penetração vaginal, ultrapassa largamente os 50%. Se estes números reflectissem uma doença, estar-se-ia perante uma verdadeira endemia. Mas hoje, que já se fala mais sobre estes assuntos, embora ainda não o suficiente, sabe-se que o tempo necessário para mulheres e homens atingirem o orgasmo através da masturbação é praticamente equivalente e portanto, se as mulheres pela masturbação – estimulação do clítoris - atingem o orgasmo, então elas não são frígidas quando não o conseguem na relação sexual «normal», sem estimulação do clítoris, essa relação é que não se revela adequada.
O que não deixa de ser curioso é que as mulheres continuam colonizadas, mesmo as mais jovens e aparentemente mais desinibidas, e quando surgem oportunidades de debaterem este assunto fogem dele como o diabo da cruz, afinal até parece que a insatisfação sexual das mulheres, que as estatísticas situam em números absurdamente altos, é coisa que só acontece às outras. Por que será que as mulheres fogem da raia sobre um assunto que lhes diz directamente respeito?

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Violação – crime ao serviço da ordem patriarcal

A violação é um crime que atenta contra um dos mais elementares direitos do ser humano, o direito à integridade física que, nessa situação, é fortemente lesada. A violação é uma prerrogativa masculina que leva a mulher a ter receio do macho; a simples ameaça de violação molda profundamente a identidade feminina e, ao limitar as vidas das mulheres no seu quotidiano e nas suas opções, mina profundamente a sua independência, levando-as a perceberem-se como vítimas - fracas, passivas e, por inerência, inferiores.
 A violação tem sempre a ver com a opressão de género, mesmo quando é perpetrada contra outros homens, porque a intenção do violador é «feminizar» aquele que é violado.
A sociedade nem sempre encara a violação com a seriedade que tão hediondo crime exige. Basta lembrarmos o humor à volta do tema e a sua trivialização; chega mesmo a desculpar-se, assacando-se a responsabilidade à vítima. Não é incomum ouvir-se dizer que fulano ou beltrano violou porque se sentia rejeitado pelas mulheres, tudo se passando como se fosse um direito dos homens ter acesso aos corpos das mulheres. Partindo desta mesma premissa, em muitos países não é reconhecida a violação marital e, em muitos outros, quando uma mulher é violada pretende-se que a ofensa maior não é feita à mulher, mas ao seu marido, pai ou irmão de quem ela seria propriedade que ficaria, por tal facto, completamente destituída de valor.
Há quem pretenda que a violação não é um problema de sexo, que é um problema de violência. Mas esta tese esquece que existem ligações culturais e ideológicas muito fortes entre sexo e violência; esquece que é frequente a cultura erotizar a violência sexual; esquece que sempre que se entende a relação heterossexual como uma relação de domínio/submissão a violência está presente.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A sexualidade das mulheres – identidade incerta!?

Na ordem patriarcal em que temos vivido e em que, em grande parte, continuamos a viver, as mulheres são condicionadas a interiorizarem a sexualidade masculina que se constitui como norma; isto é, a sexualidade que nos é apresentada como modelo é a masculina; esta realidade, todavia, é camuflada porque se aceita implicitamente que essa sexualidade também é a das mulheres.
A sexualidade masculina, pelo menos tal como tem sido apresentada, aceita e “deseja” que a relação sexual entre um homem e uma mulher seja uma relação de domínio/submissão em que a agressividade do macho contrasta com a passividade da fêmea. Se, na relação sexual, o homem deseja dominar a fêmea e se tira prazer disso, também pressupõe que a fêmea tem prazer em ser dominada e submetida. Dominar, com tudo o que implica de agressividade e de humilhação, e tirar prazer disso pressupõe encarar a violência – porque é disso que se trata - como algo desejável, como algo sexy, como algo glamoroso.
Este modelo sexual de domínio/submissão é reforçado, amplificado e transmitido pela pornografia “mainstream”, consumida não só pelos homens, mas também pelas suas companheiras que aprendem “o seu papel” e aprendem a canalizar os seus desejos sexuais em função dos desejos dos homens. Não dispondo de outros modelos, não conseguem perceber que afinal não tiveram oportunidade de construir a sua sexualidade, nos seus próprios termos, porque esses termos nem sequer existem e lhes foi pura e simplesmente imposta a sexualidade masculina. Neste particular, é necessário não esquecer que a sociedade e a cultura vigente ainda hoje condicionam as mulheres a não se sentirem a vontade para reflectirem sobre as suas experiências sexuais, com a agravante de que a própria linguagem que têm de usar para referir o sexo é uma linguagem que foi criada em sociedades sexistas e que manifesta e reforça esse sexismo porque muito claramente objectifica a mulher e pressupõe a sua passividade e submissão aos desejos do macho, como se esses também fossem os seus desejos. Para quem tem dúvidas sobre o que estou a dizer, uma simples enumeração de expressões conotadas com o sexo bem como o anedotário circulante pode ser esclarecedor.
Ora esta situação afecta as mulheres em geral, mesmo as mais jovens e aparentemente mais desinibidas; curiosamente estas, quando conversam sobre sexo, revelam com frequência uma ausência quase total de espírito crítico e na prática dirigem para si próprias o olhar masculino que interiorizaram sem de tal sequer se aperceberem. Porque são desinibidas não só nas palavras mas também nos actos, entendem-se por modernas e ignoram que apenas estão a dar novas formas e a justificar ideias antiquíssimas acerca de como as mulheres se devem comportar em relação aos homens.
Ainda recentemente assisti a um vídeo que mostrava mulheres jovens a falarem, muito desinibidas e entusiasmadas, das práticas sexuais, as mais variadas e arrojadas, que mantinham com os seus parceiros, essas práticas eram exactamente aquelas a que assistimos nos filmes pornográficos mainstream - que qualifico de sexistas. Mas havia uma coisa de que elas não falavam e essa coisa era o orgasmo. Ora, se sabemos que um número muito significativo de mulheres continua a não atingir o orgasmo através da relação sexual, fica estranho e a conclusão que tirei foi que provavelmente elas têm a mesma dificuldade em atingirem o orgasmo que a maioria das mulheres experimentam, mas esse problema que importava debater … bem, esse foi olimpicamente ignorado.
A sensação com que fico é que os homens tem muitas ilusões acerca da sexualidade das mulheres e estas, talvez por medo de perderem os parceiros, não ajudam a desfazer essas ilusões.